sábado, 28 de outubro de 2017

Violência contra o homem

Hoje em dia, é aceito por psicólogos(as) que negros e pobres cometem mais crimes por serem "minorias", por serem "socialmente marginalizados", e que o vandalismo ou crimes cometidos por adolescentes sejam um pedido de ajuda, um sintoma geralmente desencadeado por situações de vulnerabilidade. Entretanto, quando consideramos que a maioria dos crimes e atos violentos são cometidos por homens, tendemos a ter duas reações: dizer que isso é esperado, pois homens são mais violentos, ou dizer que isso é resultado da cultura machista, que educa homens para serem dominantes e usam da violência para demonstrar seu poder. (Farrel, 1993/2014)
Você aceitaria se disséssemos que a maioria dos crimes são cometidos por negros, pobres e adolescentes porque isso é apenas uma característica normal desses grupos ou que isso é uma demonstração de seu poder?

Por outro lado, o que acontece quando consideramos o contrário? Quando consideramos que homens são maioria das vítimas de violência (Mapa da Violência, 2015, 2016) e que também sofrem violência na intimidade (ou conjugal ou doméstica, ou como prefira chamar) (Zaleski, Pinsky, Laranjeira, Ramisetty-Mikler & Caetano, 2010). Acho lamentável quando pessoas, algumas vezes "especialistas em violência", dizem que essas situações são menos importantes porque são "homens batendo em outros homens" ou que "esses casos são minoria".

Se alguém te dissesse que uma mulher foi vítima de um crime e o crime não será levado a sério porque o autor do crime é outra mulher, você consideraria isso aceitável? O número de casos de morte de mulheres em episódios de violência doméstica não é nem 10% do número total de homicídios. Você aceitaria se esse fato fosse usado como justificativa para não haver mais estudos sobre violência doméstica, para acabar com todas as delegacias da mulher e ONGs que lutam contra a violência contra a mulher? Se a resposta é não para ambas as perguntas, você também não deve aceitar a violência contra o homem, independente do sexo do perpetrador ou da quantidade de vítimas.

Na verdade, vários autores defendem que a violência doméstica contra o homem é tão comum quanto a violência contra a mulher, mas existe um viés tão forte de pesquisadores e dos meios de divulgação em retratarem a mulher como vítima, que violência doméstica se tornou sinônimo de violência contra a mulher, decorrente de um desejo masculino de oprimir a mulher, quando, na verdade, é causada por problemas na dinâmica do casal, pela dificuldade de se colocar no lugar do outro, de negociar as diferenças, pela incompatibilidade de objetivos e pela ausência de uma cultura de responsabilidade mútua. (Alvim & Souza, 2005; Andrade, 2008; Farrell, 1991; 1993/2014; Oliveira & Souza, 2006; Strauss, 2007; Zaleski et al., 2010).

O único estudo brasileiro que encontrei que quantificou tanto as vezes que homens quanto as vezes que mulheres estiveram envolvidos em casos de violência por parceiro íntimo, tanto no papel de agressor quanto no vítima, foi o de Zaleski et al (2010), que, conforme pode ser observado no quadro abaixo, encontra valores próximos de perpetração e vitimização para os dois sexos.

Prevalência de violência por parceiros íntimos nos últimos 12 meses. Brasil, 2005-2006 (Zaleski et al., 2010, p. 57)
Variável
Masculino n=631
Feminino n=814
X²(df)
Qualquer tipo de violência íntima (incluindo mútua, somente perpetração e somente vitimização)
10,7%
14,6%
4,76(1)*

Perpetração
Vitimização
Perpetração
Vitimização

Atos leves





Jogar algo
2,2%
3,4%
6,0%
2,7%

Empurrar, agarrar ou sacudir
7,4%
4,1%
9,3%
6,3%

Tapa
3,2%
4,2%
6,0%
3,9%

Atos graves





Chutar ou morder
0,9%
1,4%
2,2%
1,2%

Bater com algo
1,6%
2,9%
5,5%
2,2%

Queimar
0,0%
0,1%
0,0%
0,1%

Sexo forçado
0,8%
0,3%
0,6%
1,2%

Ameaçar com faca
0,4%
1,5%
1,2%
0,9%

Usar faca/arma de fogo
0,2%
0,9%
0,2%
0,3%

Tipo de violência





Mútuo
5,3%
6,3%

Somente perpetração
3,9%
5,7%

Somente vitimização
1,5%
2,6%

Sem violência
89,3%
85,4%

* p <0,05.

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Obra citada não disponível online
Farrell, W. (1991). Por que os homens são como são (trad. Paulo Froes). Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos.

sábado, 14 de outubro de 2017

A agressividade é uma característica masculina? - quando o homem também é abusado

A violência costuma ser vista como uma característica masculina (Farrell, 1993/2014; Moore & Gillette, 1993; Nolasco, 2001), a ponto de ter surgido a ideia de que “todas as guerras foram criadas por varões”, entretanto, Farrell (1991) diz-nos que homens lutarem nas guerras não os tornam mais culpados pela criação das guerras que o papel feminino em educar os filhos para serem soldados.
Contudo, os estudos sobre violência tendem a ser tratados como assexuados, isso é, como se o gênero não interferisse nada, apesar de homens serem a maioria dos agressores e dos agredidos, às vezes, quase 10x mais que mulheres (Farrell, 1991, 1993/2014; Nolasco, 2001; Mapa da Violência, 2015a, 2015b). O sexo/gênero só costuma ser levado em consideração nos estudos de violência na intimidade e agressão sexual, quase sempre numa dicotomia rígida, em que o homem é o agressor e a mulher a vítima, igualando violência na intimidade e agressão sexual com "violência do homem contra a mulher (Alvim & Souza, 2005; Andrade, 2008; Farrell, 1991, 1993/2014; Oliveira & Souza, 2006; Straus, 2007; Zaleski, Pinsky, Laranjeira, Ramisetty-Mikler & Caetano, 2010).
Ouvindo o relato do Marlon, sobre como ele foi abusado na infância, acredito que já tenha passado da hora em entrarmos nesse assunto: homens também podem ser vítimas de violência na intimidade e abuso sexual. Estudos indicam que a diferença entre vítimas masculinas e femininas nem é tão grande, a diferença é o número de denúncias. Assim, tais tipos de violência não se configurariam como "violências de gênero", causadas pelo desejo masculino de oprimir a mulher, até porque tais diferenças também ocorrem em relacionamentos homossexuais, mas seriam, antes de tudo, dificuldades em negociar diferenças (Alvim & Souza, 2005; Andrade, 2008; Farrell, 1993/2014; Oliveira & Souza, 2006).
Oficialmente, a maioria dos abusadores sexuais de homens são outros homens, o número de mulheres abusadoras pode ser muito maior, dado que muitas pessoas acreditam que ser abusado é o mesmo que ser penetrado a força ou por considerarem que homens têm "sorte" de terem relações heterossexuais tão precocemente.
No estudo de French, Tilghman e Malebranche (2014), com 282 jovens do sexo masculino, estudando no Ensino Médio ou Faculdade, encontrou que 120 deles (43%) sofreram, pelo menos, uma forma de coerção sexual: "pressão verbal" (31% da amostra), "sedução indesejada" (26%), "intercurso completado" (21%), "beijo/carícia" (18%), "força física" (9%), "uso de substâncias" (7%) e "tentativa de intercurso" (3%).
Segundo a revisão feita por Zimmermann (2012), mulheres abusadoras sexuais tendem a ser divididas em quatro categorias: 1) abusadoras intergeracionais: o tipo mais comum, tendem a abusar de crianças, precocemente, sendo mais comum que comece abusando da própria prole. É comum que esse tipo de mulher vem de uma filha em que abusos sexuais de crianças são comuns; 2) professora/amante: costuma ser uma mulher adulta que tem relações sexuais com um adolescente ou criança pré-púbere. É comum que as pessoas vejam esse tipo de relação como uma fantasia comum dos garotos e, portanto, inofensiva, uma forma de iniciação sexual. Entretanto, o interesse da mulher costuma ser mais a exploração de um desequilíbrio de poder (poder manipular o garoto) do que um interesse romântico/sexual; 3) mulheres coagidas pelo marido: são mulheres que, por causa de um companheiro, abusaram ou facilitaram que seu companheiro abusasse de uma criança. Apesar de terem iniciado o abuso por causa do companheiro, muitas continuam abusando mesmo sem a presença dele; 4) experimentadora-exploradora: fazem parte dessa categoria a maioria das adolescentes que abusam sexualmente de crianças. São garotas que desejam uma relação sexual e, não conseguindo ter uma experiência com um companheiro de sua idade, buscam essa experiência com crianças que podem dominar, geralmente um irmão mais novo ou uma criança da qual é babá.
Do outro lado do espectro, a revisão do mesmo autor identificou cinco tipos de pais abusadores: 1) sexualmente preocupados: têm um interesse sexual obsessivo pela prole, às vezes, desde o nascimento. É comum que tenham sido abusados sexualmente quando crianças; 2) regridem à adolescência: só se interessam pela prole quando ela entra na adolescência; 3) buscam autossatisfação: veem seus descendentes como meros instrumentos para obter autossatisfação; 4) emocionalmente dependentes: usam sua progênie para obterem relacionamentos amorosos que objetivam a proximidade, companhia e amizade; 5) vingativos raivosos: têm raiva do abusado, geralmente, por exigir muita atenção de sua companheira.

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Obras citadas não disponíveis online:


Farrell, W. (1991). Por que os homens são como são (trad. Paulo Froes). Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos.

Farrell, W. (1993/2014). The myth of male power: why men are the disposable sex. Dr. Warren Farrell, 1993/2014. Edição Ebook Kindle

Moore, R., & Gillette, D. (1993). Rei guerreiro mago amante. (Trad. Talita M. Rodrigues). Rio de Janeiro: Campus.


Nolasco, S. (2001). De Tarzan a Homer Simpson. Rio de Janeiro: Rocco.

sábado, 30 de setembro de 2017

Final Fantasy XIV: pai depressivo - uma história de amor masculino

Recentemente, chegou ao Netflix brasileiro, a série Final Fantasy XIV: dad of light (Fantasia Final 14: pai de luz), que conta a história de um garoto japonês (Akio) com dificuldade de se relacionar com seu pai. Um dia, seu pai misteriosamente diz ter pedido demissão e não procurará um novo emprego. Ele simplesmente decidiu se aposentar mais cedo. Numa tentativa de descobrir o motivo da demissão misteriosa e recuperar o vínculo pai-filho, o jovem Akio ensina seu pai a jogar o MMORPG (Massive Multiplayer Online Role Play Game) Final Fantasy XIV e, secretamente, se torna amigo dele dentro do jogo, agindo como um tutor e comprometendo-se a só revelar a sua verdadeira identidade após derrotar Twintania.

Pode parecer bobagem dizer que você e seu pai quase não conseguem conversar e tentar se aproximar dele através de um jogo online, mas essa é uma história real. Como é de se esperar, parece que há algumas diferenças entre o exibido na série e a história real e, apesar de minha ignorância em japonês e o tradutor online não ajudarem muito em saber a diferença entre realidade e ficção, o projeto hikari no otösan (pai de luz) foi uma tentativa real de aproximação entre pai e filho que durou 10 meses jogando Final Fantasy XIV e divulgada no blog pessoal do filho (até agora, só consegui identificá-lo como "Ichigeki Kakusatsu SS Nikki" ou Mydie) se transformou em livro e na série original do Netflix.
Realidade ou ficção, pretendo ter como foco o personagem Hirotaro Inaba (o pai) e fazer uma análise dele e de como podemos aprender mais sobre a masculinidade. A partir de agora, haverá spoilers. Se você ainda não assistiu e não gosta que te digam o que acontece nas suas séries, filmes e livros, pare agora, vá assistir e depois volte.

O sr. Inaba tem o perfil geralmente chamado de "pai tradicional", muito ocupado com o trabalho, quase não passa tempo com a família, emocionalmente frio e distante. Aqueles que acreditam que seus pais não foram "pais carinhosos" certamente devem achar o próprio pai e o Sr. Inaba muito parecidos. O foco no trabalho e distância emocional, com o tempo, tornaram o sr. Inaba e o próprio filho em dois estranhos, de forma que eles não conseguem nem ter uma conversa superficial.

Akio sente a necessidade de entender melhor seu pai, mas não consegue uma conversa franca. Então, após ser aconselhado pelos seus amigos de FF14, compra um PlayStation 4, o jogo FF14 e ensina o básico a seu pai. Após isso, corre para o próprio quarto e tenta tornar-se amigo do próprio pai, sem que ele descubra sua real identidade.
Akio e Hirotaro (Maidy e Indy) conseguem se conectar e, por ser menos vergonhoso (e mais fácil) falar de suas fraquezas para um estranho que para aqueles que amamos, Akio descobre que seu pai pediu demissão por estar doente, uma doença que pode matá-lo se não operar e mesmo a operação não é garantia de sobreviver. Com essa notícia, o Sr. Inaba não conseguia mais ter um objetivo de vida, nada para ele fazia mais sentido. Ao que me parece, ele estava com Depressão.

Mas através do jogo, ele encontrou pessoas que pareciam se importar com ele, que o ajudavam e que precisavam de ajuda. Juntos, eles enfrentavam desafios, ficavam mais fortes, compartilhavam a alegria da vitória, consolavam-se na derrota e discutiam estratégias. Isso é importante se considerarmos as qualidades masculinas, das quais destaco: orientação para grupos, empatia de ação e formação de vínculos através de atividades e objetivos comuns.

O desenrolar da história me leva a crer que Akio conseguiu curar a Depressão de seu pai, o que não significa que jogos online curam depressão, mas através do jogo, ele conseguiu estabelecer um relacionamento verdadeiro com seu pai, dando-lhe um novo sentido para a vida e restaurando sua vontade de viver.

Mas eu gostaria de chamar a atenção para os sintomas do sr. Inaba que, a primeira vista, não existem. Quando se fala em Depressão, costumamos pensar nos casos extremos, aquelas pessoas que não conseguem sair da cama, que choram por qualquer coisa, casos reais, mas raros. Muitos sofrem de uma Depressão mais silenciosa, uma distimia talvez, como a do sr. Inaba. Parece que a pessoa apenas não quer falar, é apenas seu jeito de ser, é apenas uma fase, e, às vezes, é realmente apenas isso, às vezes, é algo mais. Se Akio não tivesse feito seu pai jogar FF14 e se tornado seu amigo virtual, talvez, o sr. Inaba nunca teria feito a cirurgia e teria morrido, deixando um filho magoado por nunca ter entendido seu pai.

sábado, 16 de setembro de 2017

Trabalho e suicídio - quanto vale a vida do homem?

O trabalho é tão importante para os homens que o desemprego e a aposentadoria aumentam as chances de homens se suicidarem, mas não têm o mesmo efeito em mulheres.

Isso porque, em praticamente todo o mundo, ser um produtor é condição indispensável para que o homem seja digno de ser respeitado e amado. Ser um "homem de verdade" é, geralmente, associado com a capacidade de sustentar a si mesmo, à sua família e, se possível for, por que não o bairro ou uma instituição. No Japão, por exemplo, a vida de um homem é considerada inútil e desonrada se não estiver a serviço dos outros.

Para eles, uma vez que é impossível vivermos sozinhos, pelo menos nos primeiros anos de vida, todos temos uma dívida com a sociedade, dívida que só pode ser paga ao morrer protegendo, sustentando e cuidando dos outros. Não é a toa que as cartas e documentos deixados pelos pilotos kamikaze demonstram um tom de orgulho e alegria em serem escolhidos para se suicidarem em combate. Porque assim, sua dívida estaria paga.

Tal mentalidade é tão forte que, mesmo nesses tempos de "equidade", educamos as mulheres para trabalharem e serem independentes, poderem comprar suas roupas, maquiagens e afins sem terem de pedir dinheiro para o marido, mas ainda dizemos aos nossos filhos que eles devem procurar um "bom emprego" (o que geralmente significa um emprego que pague muito) para constituir uma família.

Assim, para o homem, o desemprego nunca é um simples contratempo econômico ou problemas financeiros, mas ao não ter emprego, o homem também costuma perder a sua própria identidade de homem, algo que, psicologicamente, pode explicar o aumento de casos de disfunção erétil (impotência sexual) em homens desempregados.

BAUMEISTER, R. F. Is there anything good about men?: How culture flourished by exploiting men. New York: Oxford University Press, 2010. Cap. 9-10, p. 187-220.

FARRELL, W. Por que os homens são como são (tradução de Paulo Froes). Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1991.

______. The myth of male power: why men are the disposable sex. [s.l.]: Dr. Warren Farrell, 1993/2014. Ebook Kindle.

GILMORE, D. D. Action and ambiguity: east and South asia. In: ______. Manhood in the making: cultural concepts of masculinity. New Haven, NY: Yale University Press, 1990. Cap. 8, p. 169-200.

QIN, P.; AGERBO, E.; MORTENSEN, P. B. Suicide risk in relation to socioeconomic, demographic, psychiatric, and familial factors: a national register-based study of all suicides in Denmark, 1981-1997. The American journal of Psychiatry, [s.l.], v. 160, n. 4, p.765-772, 2003. Disponível em < http://ajp.psychiatryonline.org/doi/full/10.1176/appi.ajp.160.4.765>. Acessado em 10 de setembro de 2017.

sábado, 2 de setembro de 2017

Suicídio - Quando a morte parece a melhor saída

Setembro é o mês da prevenção do suicídio, pratica que muitos homens chegam a pensar e/ou a realizar. Sendo assim, a primeira matéria desse mês será sobre o suicídio.
O suicídio consiste em uma pessoa tirar a própria vida conscientemente e é considerado um problema de saúde pública não só para aquele que o praticou como para amigos e familiares, que são abalados pelo evento. No mundo todo, o suicídio encontra-se entre as 10 principais causas de morte (Schlösser, Rosa, & More, 2014), sendo a oitava nos EUA (Farrell, 1993/2014) e, no Brasil, é a terceira maior causa por fatores externos (Machado & Santos, 2015)
No Brasil, o número de suicídios consumados (que resultaram em morte efetiva) é baixo para os padrões internacionais, apenas 6,3 mortes por 100 mil habitantes (OMS, 2017), sendo classificado como o 71º país com maior número de suicídios no mundo (Schlösser, Rosa, & More, 2014). Contudo, acredita-se que os valores possam ser muito maiores em decorrência de sub-notificação (Marín-León & Barros, 2003). Outro fenômeno observado mundialmente é que homens suicidam-se com 3 a 7,5 vezes mais frequência que mulheres, sendo Índia e China as duas únicas exceções. No Brasil, a proporção é de 3,7 homens para cada mulher. (Machado & Santos, 2015)

Tal diferença deve-se, em parte, a homens usarem métodos com maiores chances de sucesso (ou seja, de efetivamente morrerem, sem chance de serem salvos), sendo o enforcamento e o uso de armas de fogo, os métodos preferidos pelos homens (Marín-León & Barros, 2003; Minayo, Meneghel & Cavalcante, 2012). O suicídio geralmente ocorre em casa (51,9%) ou em hospitais (39,3%) (Marín-León & Barros, 2003).

Existem inúmeros fatores que podem levar um homem a cometer suicídio, mas as associações mais frequentes são desemprego; uso de álcool ou drogas; presença de um transtorno psiquiátrico, como Depressão; dívidas financeiras; problemas em relacionamentos familiares ou amorosos; sentimento permanente de humilhação; sentimento de impotência e dependência; e, principalmente, sentimento de ser um fardo para os outros. (Marín-León & Barros, 2003Minayo, Meneghel & Cavalcante, 2012).
Pessoas que pensam em se matar devem ser supervisionadas a todo instante e devem procurar ajuda profissional. Um primeiro passo pode ser entrar em contato com o Centro de Valorização da Vida, que fica disponível 24h/dia por telefone (ligue 141), e-mail, chat e Skype.
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Obra citada não disponível on-line
Farrell, W. (1993/2014). The Myth of Male Power: why men are the disposable sex (Ebook ed.). Autor.

sábado, 19 de agosto de 2017

Masculinidade em construção

Hoje abordaremos um livro clássico, "Manhood in the making" (Masculinidade em construção) é o livro mais famoso do antropólogo David D. Gilmore e, provavelmente, o estudo mais completo sobre a masculinidade em diferentes sociedades. Nesse livro, o autor reuniu tudo o que conseguiu sobre o que cada sociedade considera "um homem de verdade" e por que, resultando numa análise aprofundada de 11 sociedades mais uns pedaços de outras.
Essa obra tende a ser odiada por defensores da teoria de que gênero é uma construção social e que existem múltiplas masculinidades e feminilidades (por exemplo, Pleck, 1995). A razão segundo eles é que Gilmore defende um essencialismo universal e imutável do que é homem e o que é mulher. Entretanto, eu li o livro e não vi nada de essencialismo. Na verdade, o autor deixa bem claro, logo na página 3, que acredita ser a cultura mais importante, apresentando prós e contras das teorias psicanalíticas, evolucionistas e marxistas. 

Gosto desse livro, principalmente, por ser uma verdadeira análise de diferenças culturais. Não é que nem os incontáveis "sabe-tudo" que dizem ter comparado diferentes culturas, entendendo "diferentes culturas" por "São Paulo x Bahia", "Brasil x EUA" ou "filósofos do século XX vs Platão". O autor compara os habitantes de Andaluzia (região da Espanha),  os índios meinacos (estado do Mato Grosso), japoneses, sambianos (Papua Nova-Guiné), judeus, americanos, o povo masai (Quênia e Tanzânia), o povo semai (Malásia) e outros
O livro é iniciado com algo que não é novidade para quem já leu alguma coisa sobre diferentes culturas: a divisão sexual de papéis parece ser a mesma em praticamente todo o mundo. Segundo o autor, apesar de haver diferenças culturais, as semelhanças são mais frequentes e, a medida que vai analisando os ideais de masculinidade e as explicações dadas por cada povo, vai concluindo essa divisão de papel têm íntima conexão com desafios comuns a quase todos os povos. A divisão de papéis, para Gilmore, parece ser uma estratégia de sobrevivência que busca conciliar duas forças, geralmente, opostas: nossos desejos individuais e as demandas sociais/ambientais.
Para entendermos os ideais de masculinidade é preciso ter em mente que "uma sociedade pode sobreviver à perda de homens mais facilmente que à perda de mulheres" (Friedl, 1975, p. 135 apud Gilmore, 1990, p. 121). Isso porque as mulheres só podem ter um ou dois bebês por ano, mas os homens podem ter um quantidade quase ilimitada, desde que hajam mulheres disponíveis. Além do mais, a gestação e lactação atrapalham a mulher em certas atividades. Por essa razão, acaba sobrando aos homens os trabalhos mais perigosos e que, se tiverem escolha, jamais aceitariam.
Sendo assim, as sociedades precisam obrigar os homens a assumirem tais tarefas através do que Farrell (1986) chama de "suborno social": se eles não desempenharem seus papéis com competência, serão ridicularizados, marginalizados e lhe serão negadas o status de "homens de verdade" (essas três consequências sendo consideradas piores que a morte). Por outro lado, se eles desempenharem com eficiência, serão admirados e amados, além de receberem vários benefícios, como o direito de ter quantas esposas quiserem.
Para isso, o status de "homem de verdade" consiste de um estado artificial (não adquirido naturalmente, mas induzido culturalmente), que precisa ser ganho contra poderosas adversidades, pode ser perdido e consiste em uma atuação pública. Apesar das diferenças culturais, há três elementos quase sempre presentes: engravidar mulheres, proteger seus dependentes e sustentar amigos e parentes; tarefas que exigem liberdade de ação.
Um exemplo notável é do povo Samburu (Quênia), no qual um homem de verdade deve ter como objetivo se tornar um patrono tribal. Para isso, devem ser criadores de gado eficientes e, no passado, guerreiros habilidosos. Com a colonização, a guerra não é mais permitida, mas os jovens ainda fazem competições de altruísmo para ganhar status. Um homem de verdade deve dar mais que receber e aquele que consegue dar mais, recebendo menos é mais homem que o inverso. Também é fundamental que tenha virtudes como assertividade e destemor. Por fim, para os Samburus, um homem ser dependente de alguém, seja outro homem ou mesmo uma mulher, é considerado um atentado contra a própria honra.
Outro exemplo é o Japão, em que ser "homem de verdade" consiste em viver para o coletivo, sem jamais reclamar. Assim, as virtudes de um homem são a coragem, determinação, responsabilidade, papel ativo nas relações econômicas e sexuais, autonomia e "jogo de cintura". Quem está acostumado a assistir animes estilo shonen já deve ter percebido que o protagonista é aquele que "recebe os sentimentos" de seus amigos e protege o mundo não por glória ou por ser um idiota que gosta de correr perigos, mas porque tem o poder e habilidade de proteger aquilo que seus amigos amam.
Como muitos podem tentar argumentar, existem exceções. O povo semai e os taitianos são exceções e são geralmente vistos como exemplos de sociedades em que não há divisão de gênero. Isso é verdade, mas também é verdade que eles são um povo que não precisam arriscar a vida para obter comida, água ou matéria-prima para seus utensílios. Tudo que precisam existe em abundância e é de fácil obtenção. Também não precisam se preocupar em defender mulheres e crianças de ataques de animais ferozes ou em guerras, pois esses não existem ou é fácil de fugir e sobreviver. Consequentemente, não há necessidade dos homens competirem entre si, a economia é totalmente cooperativa e a ambição é desencorajada.
Entretanto, Gilmore encontrou relatos de pessoas desses povos que pareciam questionar a masculinidade de algum outro integrante. Assim, ideologias de masculinidade também existem entre esses povos, eles apenas não dão tanta atenção quanto aqueles que dependem de tais ideologias para sobreviver.

Concluindo, os papéis sexuais, principalmente esses que nós aprendemos a chamar de "papéis tradicionais", "hegemônicos" e/ou "machistas", consistem de adaptações a ambientes sociais com o objetivo de superar adversidades ambientais e escassez de recursos, preparando os homens para defender seu povo e sua família, a suportar os desafios de trabalhar, além de ser esperado por ambos os sexos. Tais papéis devem ser desempenhados de forma pública para garantir a estabilidade, segurança e poder coletivo do grupo, sendo o fracasso punido com a perda de sua identidade de gênero/sexual. Aqueles que desejam o desaparecimento de tais ideologias devem ser capazes de assumir o papel que tais ideologias desempenharam ao longo de incontáveis séculos.

Obras citadas não disponíveis online
Farrell, W. (1986). Why men are the way they are. Ebook ed. New York: Berkley Books.
Gilmore, D. D. (1990). Manhood in the making: cultural concepts of masculinity. New Haven, London: Yale University Press

sábado, 5 de agosto de 2017

Espelho, espelho meu, há alguém mais forte do que eu?

O ideal de corpo masculino tende a ser o de homem musculoso. Para crianças, um homem deve ter músculos para ser forte e rápido; para adolescentes, homens devem ser grandes, algo que ser musculoso ajuda muito; até gays e idosos idealizam o corpo masculino como sendo musculoso, com a diferença que homossexuais dão mais valor à questão estética enquanto idosos dão mais valor à independência e funcionamento do corpo. (Drummond, 2010)

Talvez por esse ideal, a maioria das pessoas que sofre de dismorfia muscular é homem. Também conhecida como "vigorexia", "complexo de Adônis" e "anorexia reversa", a dismorfia muscular consiste num transtorno mental
"[...] que ocorre quase exclusivamente no sexo masculino, consiste na preocupação com a ideia de que o próprio corpo é muito pequeno ou insuficientemente magro ou musculoso. Os indivíduos com essa forma de transtorno, na verdade, têm uma aparência corporal normal ou são ainda mais musculosos. Eles também podem ser preocupados com outras áreas do corpo, como a pele ou o cabelo. A maioria (mas não todos) faz dieta, exercícios e/ou levanta pesos excessivamente, às vezes causando danos ao corpo. Alguns usam esteroides anabolizantes perigosos e outras substâncias para tentar deixar seu corpo maior e mais musculoso." (DSM-V, p. 243)

Identificada em 1993, recebeu o nome de "anorexia reversa" por suas semelhanças com a anorexia, pois os comportamentos e crenças de dismórficos e anoréxicos tendem a ser os mesmos, mas de forma "invertida". O termo oficial mudou para "dismorfia muscular" em 1997, porque concluiu-se que a perturbação principal eram os exercícios físicos, sendo secundário as perturbações alimentares (Murray, Rieger, Touyz, & García, 2010). Assim, dismórficos acreditam serem muito pequenos e magros; evitam deixar partes do corpo à mostra por sentirem-se feios e inadequados; passam a se alimentar com mais frequência, geralmente em horários rígidos, e com mais proteína; praticam mais atividades físicas para fortalecer os músculos, como levantando peso, às vezes, de forma exagerada e sobrecarregando o corpo; além disso, ao contrário de anoréxicos e bulímicos que usam laxantes e inibidores de apetite, não é incomum dismórficos usarem esteroides anabolizantes e androgênicos (Behar & Aranciba, 2015)

De acordo com a revisão realizada por Tod, Edwards e Cranswick (2016), os sintomas costumam surgir no final da adolescência, começo da vida adulta (~20 anos), passam mais de três horas por dia pensando em serem mais musculosos, priorizam os exercícios e dietas a ponto de terem prejuízos no trabalho e nos relacionamentos, evitam ser vistos por preocupação com a própria imagem corporal.

Os comportamentos alimentares e de práticas de exercícios físicos tendem a obedecer padrões rígidos que se assemelham aos rituais do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). Por outro lado, devido sua similaridade com a anorexia, inclusive na resposta aos tratamentos, há quem defenda que a dismorfia muscular deva ser considerada um transtorno alimentar e, como a pessoa se vê de forma diferente de como realmente é (geralmente, dismórficos são muito mais musculosos que a maioria das pessoas), pode ser considerado um Transtorno Dismórfico Corporal (quando considerados diferentes uns dos outros).

Outras polêmicas envolvendo a Dismorfia Muscular incluem o desconhecimento do quão comum ela é na população em geral e sua definição ser vaga, podendo incluir formas não patológicas de preocupação com a própria imagem e de ficar mais musculoso.

Para o DSM-V, os critérios diagnósticos para Dismorfia Muscular são:

  1. O indivíduo está preocupado com a ideia de que sua estrutura corporal é muito pequena ou insuficientemente musculosa. Isso vale mesmo que o indivíduo esteja preocupado com outras áreas do corpo, o que com frequência é o caso.
  2. Em algum momento durante o curso do transtorno, o indivíduo executou comportamentos repetitivos (p. ex., verificar-se no espelho, arrumar-se excessivamente, beliscar a pele, buscar tranquilização) ou atos mentais (p. ex., comparando sua aparência com a de outros) em resposta às preocupações com a aparência.
  3. A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
  4. A preocupação com a aparência não é mais bem explicada por preocupações com a gordura ou o peso corporal em um indivíduo cujos sintomas satisfazem os critérios diagnósticos para um transtorno alimentar.

Caso você ou algum conhecido apresentem as características listadas acima, é importante que procure um profissional de saúde mental para confirmar a suspeita e receber o tratamento adequado. Lembre-se de curtir, comentar, compartilhar essa postagem para divulgar esse importante conhecimento e inscreva-se no blog para receber as atualizações.

Obras citadas não disponíveis online
Drummond, M. (2010). Men's bodies throughout the life span. Em C. Blazina & D. S. Shen-Miller (Eds.), An international psychology of men (pp. 159-188). New York: Routledge.