sábado, 6 de maio de 2017

Psicologia - ciência amiga ou inimiga dos homens

Quando digo para as pessoas que meu principal interesse é na Psicologia do homem, na Psicoandrologia, a primeira reação das pessoas é fazer uma careta e perguntar por quê, reação que não percebo quando colegas dizem "quero trabalhar com autistas", "com RH", "com câncer", "com escola" etc. Por que é tão estranho querer trabalhar com homens?
Conheci essa área da psicologia em 2013 e de lá para cá, me surpreendo cada vez mais, num sentido bem negativo, com a forma como psicólogos tratam esse segmento da população. O primeiro "contato" que tive, foi com a ausência. Na biblioteca da faculdade, havia cerca de 7 livros sobre psicologia feminina para cada livro sobre psicologia masculina.

Comecei a procurar, nas redes sociais, outros psicólogos que se interessassem pelo assunto e, até hoje, só encontrei um e, o que é pior, não foi num grupo de psicólogos. Perdi as contas de quantas palestras, cursos, workshops e atendimentos especializados vi para "mães de autistas", "mães de gêmeos", "mães de crianças com síndrome de Down", "mulheres que sofreram abortos", "mulheres vítimas de violência conjugal", "como ser mulher no século XXI", "como ser uma mulher de sucesso no trabalho e ainda ser feminina", "como as mulheres podem conciliar trabalho e família", "entre em contato com sua deusa interior", "encontros de mulheres" e por aí vai. Até hoje, nunca vi um anúncio de evento para homens. Quando pergunto por que deixar os homens de lado, a resposta geralmente é "que bom que você se interessou. No momento, trabalho apenas com mulheres, mas farei algo para os homens no futuro". Só que o futuro nunca chega e, quatro anos depois, a mesma pessoa continua me dando a mesma resposta para o mesmo curso.
O mais próximo que já vi de um evento disposto a abordar o atendimento a homens foi uma palestra sobre gênero na qual houve quatro apresentações: uma sobre homossexuais, uma sobre homens, uma sobre mulheres e uma sobre transsexuais. Essa foi, talvez, a minha maior decepção, pois o palestrante que se propôs a falar sobre homens não falou sobre homens, mas falou que seus pacientes eram quase todos mulheres que reclamavam de não conseguir um "homem de verdade" e que "não se fazem mais homens como antigamente". A partir daí, ele começou a "filosofar" sobre o comportamento masculino sem mencionar um único estudo sobre psicologia masculina, sem considerar a opinião de um único indivíduo sobre a sua própria experiência em ser homem e, quando eu o indaguei por que essa abordagem, a resposta foi "porque os homens não vão para o consultório". 
Homens são 49% da população brasileira e o próprio palestrante era homem! Ele poderia simplesmente ter conversado com amigos, vizinhos, colegas de trabalho, qualquer coisa pra dar um pouco de fidedignidade, mas não! Ele preferiu dizer que homens estão mais covardes, que eles têm medo de "mulheres independentes" e preferem se esconder atrás de aparelhos eletrônicos. Há homens com esse perfil? Aposto que sim. É por esse motivo que mulheres não conseguem encontrar "homens de verdade"? Claro que não.

Nos Estados Unidos, a Sociedade de Estudos Psicológicos do Homem e da Masculinidade (51ª Divisão da APA), que é o mais próximo de uma comunidade científica de estudos psicológicos sobre homens, tem como um de seus objetivos criar uma "Psicologia empática para com homens". Pegue qualquer livro produzido pela 51ª divisão, um artigo escrito por qualquer membro, acompanhe o grupo oficial do Facebook e você verá muitas coisas interessantes e úteis, mas, ao se distanciar um pouco e ver de forma mais objetiva e racional, perceberá que homens são infantilizados. Para a "Psicologia do Homem e da Masculinidade", a masculinidade é sempre tóxica e os homens são egoístas, violentos, insensíveis, sádicos e covardes. Nas palavras de Kiselica (2010), aquele que considero, por enquanto, o único membro sensato dessa comunidade,
"[A Psicologia do Homem e da Masculinidade] abraça esse tipo de modelo deficiente de desenvolvimento masculino que, além de não ter embasamento empírico, também contradiz um grande corpo de evidências em Psicologia do Desenvolvimento, podendo ter consequências perigosas. Ela alimenta a mentalidade de que garotos e homens são defeituosos, que precisam de conserto, e que eles são os culpados pelos problemas que os trazem a terapia". (p. 132-133, tradução minha)

Se você acha que estou exagerando, vá nos portais da Scielo, na PePSIC ou na BVS-Psi e escolha qualquer artigo que aborde a masculinidade. Que não apenas descreva, mas tente explicar o comportamento masculino e, com raras exceções, eles só mencionam os defeitos dos homens, geralmente de forma a induzir no leitor que os homens e os defeitos masculinos são uma coisa só. Poucos são os trabalhos que se salvam. Não estou especulando, estou trabalhando num artigo de revisão sistemática da literatura e, embora ainda não esteja concluído, já li mais da metade, mais de 30, dos artigos e digo que dificilmente essa impressão sairá.

Minha última terapeuta disse-me: "homens não vêem ao consultório porque vivemos numa sociedade machista. Se você quiser viver de atender homens, vai passar fome". Bom, por que homens iriam procurar um psicólogo se, antes de ser atendido, o psicólogo já sabe qual a causa do problema (machismo, masculinidade tóxica) e que o tratamento é uma espécie de doutrinação ideológica? Não temos a coragem de levantar a bunda da poltrona para perguntar a um amigo sobre um determinado assunto, mas sabemos e ensinamos a todos que homens têm medo de mulheres independentes?
Nesses últimos quatro anos, tenho prestado mais atenção nas pessoas quando saio de casa, em meus parentes e amigos e, principalmente, tenho procurado grupos de homens que discutem sobre a condição e as necessidades masculinas contemporâneas e afirmo, homens estão dispostos a "se abrir, falar de seus sentimentos", desde que estejamos dispostos a ouví-los. Por exemplo, em minha faculdade de graduação, esse ano, foi criado um projeto de pré-natal psicológico com mulheres gestantes. Os homens, vendo que aquilo estava fazendo bem a suas companheiras, pediram que também fosse feito um projeto com eles, pois eles não têm um espaço no qual possam conversar sobre a paternidade. Agora, a universidade não consegue criar um grupo de pré-natal para homens, porque o projeto foi pensado apenas nas mulheres e a logística não permite.

Recentemente, buscando conhecer melhor o que a Psicologia poderia oferecer aos homens, criei um formulário e solicitei que homens com mais de 15 anos o respondem-se (clique aqui para respondê-lo), o qual apresentarei os resultados até o presente momento.


  • No total, houve 48 respondentes;
  • A idade variou entre 15 e 62 anos (média: 27,5 anos, desvio padrão: 9,5 anos);
  • Responderam homens de 15 estados brasileiros, principalmente São Paulo (16 respondentes) e Paraná (6 respondentes);
  • 40 deles (83,3%) acham importante que haja grupos de discussão das necessidades masculinas;
  • Aqueles que disseram conhecer tais grupos (26 participantes) mencionaram grupos ativistas por direitos dos homens, totalmente virtuais (sim, compartilhei o formulário em grupos ativistas e sim, está enviesado. Mas também mandei para outros grupos, como ativistas por direitos das mulheres e o retorno foi baixíssimo. Então, essa é a população de referência). O único participante a mencionar um grupo presencial, apontou para um grupo feminista de reeducação de homens que agrediram suas companheiras;
Os temas mais importantes para se abordar obedeceram o seguinte rank:
  • 1º) com 39 votos (81,2%), o tema "Paternidade" é considerado o tema mais importante para os homens;
  • 2º) empate triplo entre "Educação", "O que significa 'ser homem'" e "Saúde". Cada um recebeu 36 votos (75,0%);
  • 3º) Suicídio - 35 votos (72,9%)
  • 4º) Relações amorosas e/ou sexuais - 34 votos (70,8%)
  • 5º) Trabalho - 33 votos (68,8%)
  • 6º) Violência - 32 votos (66,7%)
  • 7º) Dependência química - 23 votos (47,9%)
  • 8º) Empate entre "Esporte" e "Outros" - 12 votos (25%) cada
Vendo esses resultados, fica claro para mim por que homens não procuram serviços psicológicos. Quase todos os programas específicos para homens focam em violência (geralmente doméstica) e, quando há, em dependência química, temas que estão por último do rank de prioridades.

Por que quando trabalhamos com homens, precisamos focar na violência nos relacionamentos amorosos (sendo obrigatoriamente, o homem como agressor)? Por que não podemos falar do que significa ser homem num relacionamento amoroso? Afinal, as mulheres passaram a ter permissão para xavecar um homem e não ser chamada de vadia, mas ainda é esperado que o homem tome a iniciativa e, se a mulher tomar a iniciativa, ele é obrigado a ficar com ela. Por que não falamos sobre o impacto do trabalho no exercício da paternagem?

Terminarei com dois novos formulários: Se você é psicólogo(a) e tem alguma experiência no atendimento a homens que gostaria de relatar, para que eu aborde mais detalhadamente, clique aqui. Se você é homem e passa ou já passou por atendimento psicológico, compartilhe conosco sua experiência aqui.

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Obra citada
KISELICA, M. S. Promoting Positive Masculinity While Addressing Gender Role Conflict: A Balanced Theoretical Approach to Clinical Work with Boys and Men. In: BLAZINA, C.; SHEN-MILLER, D. S. An international psychology of men. New York: Routledge, 2010. Cap. 5, p. 127-156.

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