Nesse primeiro post, pretendo explicar o que entendo por psicoandrologia, quais os objetivos desse blog e prometo que tentarei ter uma nova postagem na primeira semana de cada mês.
O termo "psicoandrologia"foi criado por mim através dos termos gregos "psyché" (ψυχή - mente, alma) + "andrós" (ανδρος - homem, humano do sexo masculino) + "logos" (λόγος - palavra, razão, estudo) e seria a área da Psicologia responsável por compreender fenômenos psíquicos específicos dos homens, indo além da mera compreensão do aparelho reprodutor masculino como estudado pela Andrologia.
Apesar do termo ser novo (e só usado por mim até a presente data), o desejo que humanos têm de compreender as diferenças de personalidade, intelectuais e emocionais entre homens e mulheres é, provavelmente, tão antiga quanto a própria humanidade. Entretanto, como bem apontado por diversos estudos, a definição do que significa "ser homem" está relacionada com a definição do que é "ser mulher", de forma que não se consegue falar de um sem mencionar o outro. Assim, a psicoandrologia estaria "presa" à psicoginecologia, pois, se homens e mulheres são iguais, então não é uma característica nem masculina, nem feminina, mas simplesmente humana.
Mas por que usei esses termos, ainda desconhecidos, ao invés de algo mais fácil ou conhecido? Porque há uma diferença importante entre o que creio ser uma Ciência da Masculinidade autêntica e a forma como a masculinidade vêm sendo tratada pelo meio acadêmico e que pode ser dividida nas seguintes formas:
1) A forma mais antiga, presente já na Grécia e China Antigas e presente em teorias biológicas mais tradicionais, é a que eu chamo de Teoria dos Dois Mundos, que pode ser resumida pelo título do célebre livro "Os homens são de marte, as mulheres são de vênus", de John N. Gray. Ela consiste na crença de que existem atributos "masculinos" e outros "femininos" totalmente opostos, incomunicáveis, que deveriam ser inatos e, quando um homem apresenta traços psicológicos femininos ou uma mulher apresenta traços psicológicos masculinos, estamos diante de uma doença. Esse "corpo teórico" nunca se formalizou uma área com características próprias. Sendo assim, não possui autores, obras ou nome específico e tende a ser simplesmente chamada de "Psicologia masculina".
2) A segunda forma passa a ser visível por volta dos séculos XVIII e XIX, e é uma mescla da teoria dos dois mundos com a próxima, chamo-a de Teoria da androgenia psíquica e consiste na crença de que, embora haja características opostas masculinas-femininas, elas seriam dois extremos de uma mesma retas, não havendo, portanto uma pessoa com a mente de um "tipo sexual puro", mas todos seríamos, mentalmente, homens e mulheres ao mesmo tempo. Contudo, dependendo de seu sexo biológico, a mente seria mais de um jeito que de outro. Quando "sexo" e "gênero" passam a ser consideradas coisas diferentes, a teoria da androgenia psíquica vai defender que corpo e mente não são necessariamente do mesmo sexo/gênero (isso é, um homem pode ter a mente de uma mulher e uma mulher pode ter uma mente de homem). Esse paradigma é muito forte nas teorias psicodinâmicas e, juntamente com a anterior, nunca se tornou um campo independente, sendo chamado de "Psicologia masculina" ao falar sobre o pólo, supostamente, predominante em homens.
3) A terceira, nasce com a distinção entre "sexo" e "gênero" no século XX. Essa teoria defende que os conceitos "homem" e "mulher" são meras representações simbólicas construídas pela sociedade, não havendo diferença real entre os dois. Assim, qualquer diferença entre homens e mulheres é simples consequência entre o que uma sociedade permite a um sexo e proíbe ao outro, não havendo nenhuma diferença inata. Ela ganha muita força quando R. W. Connell lança a teoria das múltiplas masculinidades e feminilidades, defendendo que o patriarcado colocou no poder a "masculinidade agressiva, invulnerável, dominadora" e a "feminilidade dócil e submissa", considerando-as as únicas formas verdadeiras de ser homem ou ser mulher e marginalizando todas as outras. É muito frequente em teóricos feministas e sócio-construtivistas e é a teoria dominante em teóricos atuais, sendo que, em 1995, American Psychological Association funda a 51ª divisão, a Sociedade para o Estudo Psicológico de Homens e da Masculinidade, e chama essa vertente de Psicologia do Homem e da Masculinidade.
4) Poderíamos considerar uma quarta forma, as teorias que, ao invés de discutirem a origem das diferenças entre os sexos/gêneros e sua relação, criticam a forma como autores contemporâneos falam dos homens e das características masculinas apenas como algo negativo e buscam reequilibrar a situação enfatizando apenas os aspectos positivos de homens. Entretanto, tais autores raramente têm seus trabalhos aceitos pela comunidade científica e a divulgação se dá pela afiliação a Movimentos pelos Direitos dos Homens, não tendo um nome específico.
Todas essas quatro teorias parecem simples demais para serem verdadeiras. Gilmore, em seu livro Manhood in the making, mostra brilhantemente as falhas de cada teoria (exceto a última que não é analisada), e, como esse post já está longo demais, sugiro que o interessado procure a obra do autor. Aqui, vou limitar-me a dizer que não possuem embasamento empírico confiável e apresentar minha proposta.
Em primeiro lugar, o foco da Psicoandrologia não tem compromisso com uma ideologia, filosofia ou movimento específico e sim com a Ciência. Assim, ela tem como fundamento evidências científicas, fatos e teorias passíveis de serem testadas, confirmadas e, principalmente, refutadas. Em segundo lugar, dada a complexidade de fenômenos humanos e a dificuldade de determinar o que é inato e o que é aprendido ou o quanto cada um contribui no fenômeno, essa preocupação deve ficar em segundo plano.
É o bastante para nós, saber que, por qualquer motivo, os sexos são diferentes de muitas formas. Sendo assim, pode ser necessário abordagens diferentes para seus problemas psicológicos. (Kipnis, 2004, p. 187)
Por fim, quem é o homem estudado pela Psicoandrologia? Certamente não é o Homem universal, representante de toda a humanidade. Contudo, também não podemos aceitar que as leis da psicoandrologia sejam aplicáveis a qualquer pessoa simplesmente porque ela se identifica mais com o papel socialmente atribuído aos homens (machos) do que ao das mulheres (fêmeas). Isso tornaria o termo "homem" vazio de sentido e a psicoandrologia seria uma ciência sem objeto de estudo, pois a Psicologia já estuda o Homem-humano.
Por esse motivo, o homem da psicoandrologia, pelo menos por enquanto, é o macho cis-gênero, ou seja, a pessoa que nasceu do sexo masculino e se identifica como homem. É necessário ampliar nossa compreensão sobre transsexuais e as diferenças sexuais antes de podermos afirmar qualquer semelhança ou diferença entre uma pessoa fêmea, mas que se identifica como homem (e talvez, feito cirurgia pra mudança de sexo) e alguém cuja identidade está de acordo com o esperado para o seu sexo.
Obras citadas
Gilmore, D. D.
(1990). Manhood in the making: cultural concepts of masculinity. New
Haven, NY: Yale University.
Kipnis, A. R.
(2004). Knights without armor: A guide to the inner lives of men (3rd
ed.). Santa Barbara, California, United States: Indigo Phoenix Books.
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