sábado, 30 de setembro de 2017

Final Fantasy XIV: pai depressivo - uma história de amor masculino

Recentemente, chegou ao Netflix brasileiro, a série Final Fantasy XIV: dad of light (Fantasia Final 14: pai de luz), que conta a história de um garoto japonês (Akio) com dificuldade de se relacionar com seu pai. Um dia, seu pai misteriosamente diz ter pedido demissão e não procurará um novo emprego. Ele simplesmente decidiu se aposentar mais cedo. Numa tentativa de descobrir o motivo da demissão misteriosa e recuperar o vínculo pai-filho, o jovem Akio ensina seu pai a jogar o MMORPG (Massive Multiplayer Online Role Play Game) Final Fantasy XIV e, secretamente, se torna amigo dele dentro do jogo, agindo como um tutor e comprometendo-se a só revelar a sua verdadeira identidade após derrotar Twintania.

Pode parecer bobagem dizer que você e seu pai quase não conseguem conversar e tentar se aproximar dele através de um jogo online, mas essa é uma história real. Como é de se esperar, parece que há algumas diferenças entre o exibido na série e a história real e, apesar de minha ignorância em japonês e o tradutor online não ajudarem muito em saber a diferença entre realidade e ficção, o projeto hikari no otösan (pai de luz) foi uma tentativa real de aproximação entre pai e filho que durou 10 meses jogando Final Fantasy XIV e divulgada no blog pessoal do filho (até agora, só consegui identificá-lo como "Ichigeki Kakusatsu SS Nikki" ou Mydie) se transformou em livro e na série original do Netflix.
Realidade ou ficção, pretendo ter como foco o personagem Hirotaro Inaba (o pai) e fazer uma análise dele e de como podemos aprender mais sobre a masculinidade. A partir de agora, haverá spoilers. Se você ainda não assistiu e não gosta que te digam o que acontece nas suas séries, filmes e livros, pare agora, vá assistir e depois volte.

O sr. Inaba tem o perfil geralmente chamado de "pai tradicional", muito ocupado com o trabalho, quase não passa tempo com a família, emocionalmente frio e distante. Aqueles que acreditam que seus pais não foram "pais carinhosos" certamente devem achar o próprio pai e o Sr. Inaba muito parecidos. O foco no trabalho e distância emocional, com o tempo, tornaram o sr. Inaba e o próprio filho em dois estranhos, de forma que eles não conseguem nem ter uma conversa superficial.

Akio sente a necessidade de entender melhor seu pai, mas não consegue uma conversa franca. Então, após ser aconselhado pelos seus amigos de FF14, compra um PlayStation 4, o jogo FF14 e ensina o básico a seu pai. Após isso, corre para o próprio quarto e tenta tornar-se amigo do próprio pai, sem que ele descubra sua real identidade.
Akio e Hirotaro (Maidy e Indy) conseguem se conectar e, por ser menos vergonhoso (e mais fácil) falar de suas fraquezas para um estranho que para aqueles que amamos, Akio descobre que seu pai pediu demissão por estar doente, uma doença que pode matá-lo se não operar e mesmo a operação não é garantia de sobreviver. Com essa notícia, o Sr. Inaba não conseguia mais ter um objetivo de vida, nada para ele fazia mais sentido. Ao que me parece, ele estava com Depressão.

Mas através do jogo, ele encontrou pessoas que pareciam se importar com ele, que o ajudavam e que precisavam de ajuda. Juntos, eles enfrentavam desafios, ficavam mais fortes, compartilhavam a alegria da vitória, consolavam-se na derrota e discutiam estratégias. Isso é importante se considerarmos as qualidades masculinas, das quais destaco: orientação para grupos, empatia de ação e formação de vínculos através de atividades e objetivos comuns.

O desenrolar da história me leva a crer que Akio conseguiu curar a Depressão de seu pai, o que não significa que jogos online curam depressão, mas através do jogo, ele conseguiu estabelecer um relacionamento verdadeiro com seu pai, dando-lhe um novo sentido para a vida e restaurando sua vontade de viver.

Mas eu gostaria de chamar a atenção para os sintomas do sr. Inaba que, a primeira vista, não existem. Quando se fala em Depressão, costumamos pensar nos casos extremos, aquelas pessoas que não conseguem sair da cama, que choram por qualquer coisa, casos reais, mas raros. Muitos sofrem de uma Depressão mais silenciosa, uma distimia talvez, como a do sr. Inaba. Parece que a pessoa apenas não quer falar, é apenas seu jeito de ser, é apenas uma fase, e, às vezes, é realmente apenas isso, às vezes, é algo mais. Se Akio não tivesse feito seu pai jogar FF14 e se tornado seu amigo virtual, talvez, o sr. Inaba nunca teria feito a cirurgia e teria morrido, deixando um filho magoado por nunca ter entendido seu pai.

sábado, 16 de setembro de 2017

Trabalho e suicídio - quanto vale a vida do homem?

O trabalho é tão importante para os homens que o desemprego e a aposentadoria aumentam as chances de homens se suicidarem, mas não têm o mesmo efeito em mulheres.

Isso porque, em praticamente todo o mundo, ser um produtor é condição indispensável para que o homem seja digno de ser respeitado e amado. Ser um "homem de verdade" é, geralmente, associado com a capacidade de sustentar a si mesmo, à sua família e, se possível for, por que não o bairro ou uma instituição. No Japão, por exemplo, a vida de um homem é considerada inútil e desonrada se não estiver a serviço dos outros.

Para eles, uma vez que é impossível vivermos sozinhos, pelo menos nos primeiros anos de vida, todos temos uma dívida com a sociedade, dívida que só pode ser paga ao morrer protegendo, sustentando e cuidando dos outros. Não é a toa que as cartas e documentos deixados pelos pilotos kamikaze demonstram um tom de orgulho e alegria em serem escolhidos para se suicidarem em combate. Porque assim, sua dívida estaria paga.

Tal mentalidade é tão forte que, mesmo nesses tempos de "equidade", educamos as mulheres para trabalharem e serem independentes, poderem comprar suas roupas, maquiagens e afins sem terem de pedir dinheiro para o marido, mas ainda dizemos aos nossos filhos que eles devem procurar um "bom emprego" (o que geralmente significa um emprego que pague muito) para constituir uma família.

Assim, para o homem, o desemprego nunca é um simples contratempo econômico ou problemas financeiros, mas ao não ter emprego, o homem também costuma perder a sua própria identidade de homem, algo que, psicologicamente, pode explicar o aumento de casos de disfunção erétil (impotência sexual) em homens desempregados.

BAUMEISTER, R. F. Is there anything good about men?: How culture flourished by exploiting men. New York: Oxford University Press, 2010. Cap. 9-10, p. 187-220.

FARRELL, W. Por que os homens são como são (tradução de Paulo Froes). Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1991.

______. The myth of male power: why men are the disposable sex. [s.l.]: Dr. Warren Farrell, 1993/2014. Ebook Kindle.

GILMORE, D. D. Action and ambiguity: east and South asia. In: ______. Manhood in the making: cultural concepts of masculinity. New Haven, NY: Yale University Press, 1990. Cap. 8, p. 169-200.

QIN, P.; AGERBO, E.; MORTENSEN, P. B. Suicide risk in relation to socioeconomic, demographic, psychiatric, and familial factors: a national register-based study of all suicides in Denmark, 1981-1997. The American journal of Psychiatry, [s.l.], v. 160, n. 4, p.765-772, 2003. Disponível em < http://ajp.psychiatryonline.org/doi/full/10.1176/appi.ajp.160.4.765>. Acessado em 10 de setembro de 2017.

sábado, 2 de setembro de 2017

Suicídio - Quando a morte parece a melhor saída

Setembro é o mês da prevenção do suicídio, pratica que muitos homens chegam a pensar e/ou a realizar. Sendo assim, a primeira matéria desse mês será sobre o suicídio.
O suicídio consiste em uma pessoa tirar a própria vida conscientemente e é considerado um problema de saúde pública não só para aquele que o praticou como para amigos e familiares, que são abalados pelo evento. No mundo todo, o suicídio encontra-se entre as 10 principais causas de morte (Schlösser, Rosa, & More, 2014), sendo a oitava nos EUA (Farrell, 1993/2014) e, no Brasil, é a terceira maior causa por fatores externos (Machado & Santos, 2015)
No Brasil, o número de suicídios consumados (que resultaram em morte efetiva) é baixo para os padrões internacionais, apenas 6,3 mortes por 100 mil habitantes (OMS, 2017), sendo classificado como o 71º país com maior número de suicídios no mundo (Schlösser, Rosa, & More, 2014). Contudo, acredita-se que os valores possam ser muito maiores em decorrência de sub-notificação (Marín-León & Barros, 2003). Outro fenômeno observado mundialmente é que homens suicidam-se com 3 a 7,5 vezes mais frequência que mulheres, sendo Índia e China as duas únicas exceções. No Brasil, a proporção é de 3,7 homens para cada mulher. (Machado & Santos, 2015)

Tal diferença deve-se, em parte, a homens usarem métodos com maiores chances de sucesso (ou seja, de efetivamente morrerem, sem chance de serem salvos), sendo o enforcamento e o uso de armas de fogo, os métodos preferidos pelos homens (Marín-León & Barros, 2003; Minayo, Meneghel & Cavalcante, 2012). O suicídio geralmente ocorre em casa (51,9%) ou em hospitais (39,3%) (Marín-León & Barros, 2003).

Existem inúmeros fatores que podem levar um homem a cometer suicídio, mas as associações mais frequentes são desemprego; uso de álcool ou drogas; presença de um transtorno psiquiátrico, como Depressão; dívidas financeiras; problemas em relacionamentos familiares ou amorosos; sentimento permanente de humilhação; sentimento de impotência e dependência; e, principalmente, sentimento de ser um fardo para os outros. (Marín-León & Barros, 2003Minayo, Meneghel & Cavalcante, 2012).
Pessoas que pensam em se matar devem ser supervisionadas a todo instante e devem procurar ajuda profissional. Um primeiro passo pode ser entrar em contato com o Centro de Valorização da Vida, que fica disponível 24h/dia por telefone (ligue 141), e-mail, chat e Skype.
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Obra citada não disponível on-line
Farrell, W. (1993/2014). The Myth of Male Power: why men are the disposable sex (Ebook ed.). Autor.